Discorriam
os discípulos, entre si, quanto às coisas essenciais ao bem-estar,
quando o Senhor, assumindo a direção dos pensamentos em dissonância,
acrescentou:
É
indispensável que a criatura entenda a própria felicidade para que se
não transforme, ao perdê-la, em triste fantasma da lamentação. Longe
das verdades mais simples da Natureza, mergulha-se o homem na onda
pesada de fantasiosos artifícios, exterminando o tempo e a vida, através
de inquietações desnecessárias.
E como quem recordava incidente adequado ao assunto, interrompeu-se por alguns instantes e retomou a palavra, comentando:
— Ilustre
dama romana, em companhia dum filhinho de cinco anos, dirigia-se da
cidade dos Césares para Esmirna, em luxuosa galera de sua pátria. Ao
penetrar na embarcação, fizera-se acompanhar de dois escravos,
carregados de volumosa bagagem de joias diferentes: colares e camafeus,
braceletes e redes de ouro, adornados com pedrarias, revelavam-lhe a
predileção pelos enfeites raros. Todo o pessoal de serviço
inclinou-se, com respeito, ao vê-la passar, tão elevada era a
expressão do tesouro que trazia para bordo. Tão logo se fez o barco ao
mar alto, a distinta senhora converteu-se no centro das atenções
gerais. Nas festas de cordialidade era o objetivo de todos os interesses
pelos adornos brilhantes com que se apresentava. A excursão prosseguia
tranquila, quando, em certa manhã ensolarada, apareceu o imprevisto. O
choque em traiçoeiro recife abre extensa brecha na galera e as águas a
invadem. Longas horas de luta surgem com a expectativa de refazimento;
entretanto, um abalo mais forte leva o navio a posição irremediável e
alguns botes descidos são colocados à disposição dos viajantes para os
trabalhos de salvamento possível. A ilustre patrícia é chamada à pressa.
O comandante calcula a chegada a porto próximo em dois dias de viagem
arriscada, na hipótese de ventos favoráveis. A jovem matrona abraça
o filhinho, esperançosa e aflita. Dentro em pouco ela atinge o pequeno
barco de socorro, sustentando a criança e pequeno pacote em que os
companheiros julgaram trouxesse as joias mais valiosas. Todavia,
apresentando o conteúdo aos poucos irmãos de infortúnio que seguiriam
junto dela, exclamou:
“— Meu filho é o que possuo de mais precioso e aqui tenho o que considero de mais útil.
“O
insignificante volume continha dois pães e dez figos maduros, com os
quais se alimentou a reduzida comunidade de náufragos, durante as horas
aflitivas que os separavam da terra firme”.
O Mestre repousou, por alguns segundos, e acrescentou:
—
A felicidade real não se fundamenta em riquezas transitórias, porque,
um dia sempre chega em que o homem é constrangido a separar-se dos bens
exteriores mais queridos ao coração. Os loucos se apegam a terras e
moinhos, moedas e honras, vinhos e prazeres, como se nunca devessem
acertar contas com a morte. O espírito prudente, porém, não desconhece
que todos os patrimônios do mundo devem ser usados para nosso
enriquecimento na virtude e que as bênçãos mais simples da Natureza são
as bases de nossa tranquilidade essencial. Procuremos, pois, o Reino de
Deus e sua justiça, tomando à Terra o estritamente necessário à
manutenção da vida física e todas as alegrias ser-nos-ão
acrescentadas.
Obra: Jesus No Lar - Chico Xavier/Neio Lúcio
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